Mulheres são fotografadas sem perceber ARQUIVO PESSOAL
Cantadas indesejadas, perseguição, xingamentos, beijos à força. As mulheres são alvos de diversos tipos de assédio. O R7 teve acesso a um novo esquema de um grupo de assediadores, que se reúnem nas redes sociais.
As vítimas são fotografadas sem que elas percebam, e, posteriormente, as imagens são compartilhadas nos grupos. Além da divulgação, o espaço também é usado para avaliar as mulheres e ranqueá-las.
As fotos que circulam nos grupos são de mulheres fazendo tarefas cotidianas. Elas são alvos dos assediadores em diversos espaços como na universidade, no trabalho, na rua e no transporte público.
É possível ver que as pessoas que compartilham o conteúdo nos grupos registram imagens da vítima de todos os ângulos. Muitas dessas fotos focam, principalmente, nas nádegas da mulher.
A reportagem teve acesso a um grupo do Telegram chamado 'flagras', com 90 membros. Um dos integrantes comenta que fez o registro de uma mulher com um aplicativo que permite usar a câmera com a tela desligada.
Os assediadores não se limitam em fotografá-las em tarefas cotidianas. Alguns chegam a fazer registros das vítimas em banheiros.
Recentemente, uma jovem foi filmada enquanto usava o banheiro na faculdade, na capital paulista.
A estudante estava em uma cabine, quando percebeu que uma câmera de celular a gravava do box ao lado. O aluno responsável pelo registro da imagem foi denunciado e preso em flagrante. No aparelho dele, a polícia encontrou fotos das partes íntimas da vítima.
Mas, tirar fotos é crime?
A advogada Mariana Tripode explica que as vítimas desse constrangimento têm vários direitos, entre eles, o da privacidade. "É garantido pela nossa Constituição Federal Brasileira. Então, fotografar ou filmar alguém sem o consentimento, especialmente em situações em que se espera privacidade, pode ser considerado uma violação desse direito", afirma a especialista, que é fundadora da Escola Brasileira de Direitos das Mulheres.
A delegada e diretora da Associação de Delegados do Brasil, Raquel Gallinati, conta que, se pego, seja por meio de investigação da polícia, ou em flagrante, o assediador pode receber pena de 1 a 5 anos de reclusão, caso a imagem mostre sexo explícito ou nudez, isso se o fato não constituir crime mais grave.
Caso seja somente a imagem de uma pessoa adulta, não configura crime, mas o responsável pode ter de pagar uma indenização por danos morais e materiais.
"A Constituição Federal prevê como direito fundamental a imagem das pessoas", pontua Gallinati ao recitar o artigo 5º sobre violações a intimidade, vida privada e honra das pessoas, onde é assegurado o direito da indenização pelo dano material ou moral decorrente da violação.
O Código Civil também veda a exposição ou utilização da imagem de alguém sem permissão, bem como o uso dessa foto sem permissão.
O que fazer ao perceber que está sendo fotografada?
Mariana Tripode alerta as mulheres para que, caso notem que estão sendo fotografadas, "busquem ajuda imediatamente", e cita algumas medidas que podem ajudar:
· se possível, tentar gravar o rosto do assediador;
· buscar apoio de pessoas próximas, que também podem servir como testemunha;
· relatar o incidente às autoridades competentes.
Segundo a advogada, a polícia pode prender o responsável pelo constrangimento e, a depender das circuntâncias, podem ser aplicados alguns tipos penais, como violação de privacidade, importunação sexual e até mesmo divulgação não autorizada de imagens íntimas.
Para a delegada Raquel Gallinati, o uso dos celulares nos dias de hoje pode causar uma "exposição perigosa" e facilita a criação de cenários para a divulgação não autorizada e/ou assédio virtual.
"Na maioria dos casos, a principal vítima da exposição é a mulher, justamente pela objetificação e sexualização erótica dos corpos femininos", pondera.
A especialista ainda menciona sobre as dores reais causadas às vítimas dessa exposição. "Afeta a autoestima, a deixa em maior vulnerabilidade psicológica, pode causar depressão, crises de ansiedade, angústia e vergonha".
A fundadora da Escola Brasileira de Direitos da Mulher conta que, além de causar problemas à imagem das mulheres fotografadas, ainda mostra o quanto a sociedade persiste em atitudes de objetificações e desrespeito ao gênero feminino.
"Embora a gente tenha avançado muito em termos de luta por direito da mulher, ainda sentimos uma decepção muito grande quando vemos casos assim. Parece que ninguém respeita nossos corpos, mostra que não estamos seguras na rua, na escola, no banco, em lugar nenhum", afirma.
A advogada ainda conta que, para piorar a situação, geralmente quando a mulher busca por justiça são revitimizadas, como se a culpada fosse ela de ter sofrido aquele crime ou violação.
"É necessário que a sociedade como um todo e, principalmente, os operadores de justiça e todo o sistema que trata de crimes contra mulheres, tenham uma readaptação", conclui.
A SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) foi acionada para comentar o caso, mas não deu retorno até a publicação desta reportagem.