Formado em história e economia e ex-fuzileiro naval, o jovem Jack Ryan (John Krasinski) trabalha como analista da CIA, perscrutando transações financeiras internacionais à cata de operações suspeitas que possam sinalizar atividade terrorista. É um trabalho de escritório, monótono, daqueles em que o sujeito passa o dia inteiro olhando uma tela de computador, fechado num cubículo de um andar sem janelas.
Em questão de minutos, isso vai mudar: Ryan marca com bandeira vermelha uma série de transferências digitais que, banais na aparência, somam no entanto vários milhões de dólares. Todos os instintos de Ryan se mobilizam. Se o 11 de Setembro custou à Al Qaeda coisa de meio milhão de dólares, que espécie de catástrofe se poderia provocar com quase 10 milhões? Ele acha que a quantia vai ser usada por um terrorista cuja existência nem sequer se confirmou ainda – um tal de Suleiman, a respeito de quem rola um zunzunzum na internet.
O chefe de Ryan não se convence: demovido de um alto posto por causa de uma ação desastrada, James Greer (Wendell Pierce) não quer dar outro passo em falso e arruinar de vez o que lhe resta da carreira. Os acontecimentos, porém, vão atropelar a sua reticência. Juntos, Greer e Ryan de uma hora para outra se verão metidos numa caçada que se desenrola em vários pontos do planeta ao mesmo tempo.
De Paris a Washington, do Iêmen ao deserto sírio, Ryan e seu chefe tentam não apenas deter Suleiman (Ali Suliman), como sobretudo compreendê-lo: eis aqui uma variedade muito sofisticada de terrorista. Assim como o saudita Osama bin Laden, o sírio-libanês Suleiman é capaz de raciocinar como um enxadrista, planejando ações concatenadas que não têm relação aparente, mas que se multiplicam umas às outras.
Os criadores/roteiristas/showrunners de Jack Ryan, produzida pela Amazon e já disponível na íntegra na plataforma, têm traquejo nesse tipo de enredo. Entre muitos outros créditos, Carlton Cuse tocou Lost em parceria com Damon Lindelof, e Graham Roland escreveu e produziu Fringe e The Returned.
São ambos especialistas em séries de alto impacto, em que o desdobrar da ação leva vantagem sobre o arco dramático. O formato enxuto de Jack Ryan – oito episódios de cerca de uma hora – favorece muito a vocação deles: potencializa suas vantagens e poda a tendência desse tipo de trama a se enrolar na própria mitologia. A produção, além disso, é de alto nível: Jack Ryan é a aposta mais alta da Amazon para 2018, e ninguém economizou no orçamento.
Mais do que tudo, o que eles têm em mãos aqui é um personagem de versatilidade praticamente inesgotável: excelente na análise e eficiente no campo, e um otimista que no entanto carrega alguns fantasmas brabos na bagagem, Ryan se adequa com facilidade a qualquer contexto geopolítico em que o joguem, e é interessante em qualquer fase de sua vida profissional e pessoal (nos livros do autor Tom Clancy e dos outros escritores que continuaram a coleção após sua morte, Ryan chega a diretor-adjunto da CIA e depois à Presidência).
A eficácia em crises está no próprio DNA do personagem, que foi lançado por Clancy em seguida a um dos momentos mais dramáticos da Guerra Fria – o ano de 1983, em que a rixa entre Estados Unidos e o bloco soviético por um triz não foi para o vinagre. Não é por acaso, portanto, que o cinema (e agora a TV) não se cansa dele, e já o entregou a Alec Baldwin (em Caçada ao Outubro Vermelho), Harrison Ford (Jogos Patrióticose Perigo Real e Imediato), Ben Affleck (A Soma de Todos os Medos) e Chris Pine (Operação Sombra: Jack Ryan).
Em John Krasinski, que vem de um sucesso como ator/roteirista/diretor (o terror Um Lugar Silencioso) e é um intérprete discreto e simpático, a série marca um ponto e tanto. Afável, inteligente e dedicado, mas sem o heroísmo bombado da encarnação de Harrison Ford, o Jack Ryan de Krasinski cresce em competência de forma convincente no decorrer dos oito episódios, e tem a mesma simpatia básica e entusiasmada que Alec Baldwin deu a ele em Outubro Vermelho.
Como em Outubro Vermelho(com Sean Connery) e em Soma de Todos os Medos, também (no qual Ben Affleck contracenava com Morgan Freeman), Jack Ryan oferece ao seu protagonista um contraponto excelente. Wendell Pierce pode não ser famoso como Connery ou Freeman, mas é um ator de grande gabarito, que faz o papel batido do chefe caído em desgraça parecer novo em folha. Quem viu séries como The Wire, Treme, Ray Donovan ou The Odd Couple sabe: já estava mais do que na hora de ele ganhar a popularidade que merece.