BBC A demissão de um funcionário da Latam após ter aparecido em um vídeo com outros brasileiros constrangendo mulheres durante a Copa da Rússia reacendeu a discussão sobre o comportamento dos profissionais nas redes sociais e as consequências para suas carreiras.
“As redes sociais são uma janela aberta, não há anonimato. Aqueles que a utilizam têm de ter claras as consequências que vêm do seu mau uso”, alerta o advogado trabalhista Antonio Carlos Aguiar.
Segundo especialistas em direito do trabalho, expressar insatisfação em relação à empresa em que trabalha, como denegrir a sua imagem, reclamar do salário, do horário, do novo uniforme e do trabalho em si, falar mal do chefe, dos colegas e dos clientes podem gerar demissão por justa causa.
Já as atitudes que não tenham ligação direta com a empresa também podem levar à perda do emprego, mas para que se configure a justa causa deve-se levar em conta o código de conduta da organização e se o que foi postado fere a honra do empregador.
Veja abaixo o tira-dúvidas sobre o assunto:
A empresa pode demitir o funcionário por má conduta nas redes sociais?
Sim, dizem os advogados trabalhistas José Santana, do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, e Ricardo Pereira de Freitas Guimarães, professor da PUC-SP. E a empresa pode demitir por justa causa se a má conduta nas redes sociais denegrir a sua imagem.
Na demissão por justa causa, o trabalhador receberá apenas o saldo do salário e as férias vencidas, deixando de receber férias e 13º proporcionais. Além disso, não tem direito à multa do FGTS nem ao dinheiro do aviso prévio.
A advogada trabalhista Marcella Mello Mazza, do escritório Baraldi Mélega Advogados, esclarece que a empresa zela por sua imagem perante a sociedade, e o empregado é um representante da organização.
Segundo o professor da Fundação Santo André (SP), Antonio Carlos Aguiar, as pessoas costumam informar em seus dados pessoais o local onde trabalham. Sendo assim, há uma estreita ligação entre aquilo que postam e a imagem da empresa.
Em relação à demissão sem justa causa, a empresa não precisa apresentar o motivo da dispensa. Portanto, a postura inadequada pode levar a essa decisão, mesmo que a razão não fique clara. Quanto à demissão por justa causa, ele explica que é preciso ter uma prova robusta de que a intenção do empregado foi grave e danosa à empresa. E cita como exemplos postagens falando mal do empregador, contendo ilações deselegantes ou injuriosas.
Aguiar ressalta que, para ser viável a punição para comportamento inadequado sob o ponto de vista ético ou moral que não envolva diretamente a empresa, é necessário que esteja expressamente prevista no contrato de trabalho, em regulamento interno ou código de ética ou conduta. E para a justa causa ser aplicada é preciso haver provas claras e de natureza muito grave.
O que mais gera demissões em relação ao uso das redes sociais?
- Procedimentos que atentam contra as regras legais, que ferem a moral ou são ofensivos aos bons costumes e à decência;
- Comportamento incorreto que ofende a dignidade, tornando impossível a manutenção do vínculo empregatício;
- Uso indevido das redes sociais em horário de trabalho;
- Uso de mídias sociais não autorizadas;
- Ofensa ao pudor, pornografia ou obscenidade, com desrespeito aos colegas de trabalho e à empresa;
- Manifestações de racismo;
- Apresentar atestado e, nos dias de licença, aparecer em festas em fotos postadas.
Casos concretos
Marcella cita a demissão de uma enfermeira que utilizou a internet para veicular fotos da equipe de trabalho durante o expediente, desrespeitando doentes e seus familiares. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) entendeu que a conduta da enfermeira foi grave ao ponto de justificar a dispensa por justa causa.
Aguiar conta que o Metrô do Rio de Janeiro dispensou um empregado que postou uma foto no local de trabalho, na cabine de venda de bilhetes, uniformizado, em período de carnaval, dizendo que aquele era o abadá dele.
O que mais gera demissões por justa causa relacionadas ao uso das redes?
- Empregado que difama o empregador, colegas, clientes ou pacientes;
- Empregado que se utiliza das redes para alcançar objetivos ilícitos;
- Empregado que pratica atos que revelam indisciplina, insubordinação ou negligência no desempenho das funções que lhe foram confiadas;
- Empregado que revela segredos do empregador.
Que atitudes podem gerar demissão, ainda que não sejam ligadas diretamente à empresa?
A demissão ocorre conforme a gravidade e a relação com o empregador, segundo Marcella:
Comportamentos inadequados que não combinam com os valores e princípios da empresa, como manifestar preconceito, desrespeitar pessoas, aparecer em fotos com trajes inadequados.
Se envolver em discussões com outras pessoas nas redes sociais, que acabam em ofensas e troca de insultos de ambos os lados.
Usar blogs pessoais para expressar ideias e publicar críticas ou opiniões polêmicas, que vão contra o senso comum.
O funcionário demitido pode entrar na Justiça contra a decisão da empresa? Ele tem chance de reverter?
Santana ressalta que o funcionário deve provar que a má conduta nas redes sociais não interferiu direta ou indiretamente na imagem da empresa, caso contrário, as chances de reversão são pequenas.
Guimarães afirma que o direito de ação é pleno, mas a reversão depende das provas produzidas.
Stuchi diz que o empregado que for demitido por justa causa de maneira inadequada pode e deve ingressar na Justiça para reversão da demissão, tendo enormes chances de reversão.
Marcella ressalta que as chances vão variar conforme o caso e a gravidade da conduta.
A empresa pode demitir o funcionário mesmo sem nunca ter deixado claro o que é inadequado colocar nas redes?
Stuchi diz que se o que foi colocado na rede social for de natureza grave, a empresa pode demitir o empregado mesmo sem nunca tê-lo orientado sobre o assunto.
"O funcionário pode ser demitido não somente se falar mal da empresa, mas até se der um “like” para algo nocivo à organização", aponta Aguiar.
Para Santana, não deixar expresso o que seria inadequado colocar nas redes sociais não exime o funcionário de ter uma boa conduta.
“Valores éticos e morais são de notório conhecimento, então, é importante que o bom senso seja usado nessa exposição. Além disso, a alegação de não conhecimento da lei não pode servir de base para o seu não cumprimento”, diz Marcella.
Se a empresa não tiver regra clara sobre a justa causa, o funcionário pode processar a empresa por abuso?
Marcella diz que é direito do empregado procurar a Justiça sempre que se sentir lesado nas relações trabalhistas. Mas o atentado contra a dignidade do empregador é um dos motivos para a justa causa, ainda que a lei não trate especificamente sobre as redes sociais.
Para Santana, a clareza quanto à regra é irrelevante se o funcionário se enquadrar em uma das hipóteses previstas na CLT para demissão por justa causa.
A lei trabalhista trata do assunto? Há jurisprudência? Geralmente dão ganho para quem?
Segundo Santana, a lei trabalhista não trata especificamente das redes sociais, mas do aspecto comportamental do funcionário.
Marcella diz que a indisciplina, o mau procedimento, a violação de segredo da empresa e o ato atentatório contra a dignidade do empregador são os motivos avaliados pelos juízes para a justa causa, ainda que a lei não trate especificamente sobre as redes sociais. “Com a crescente demanda sobre o tema, foi necessário que os julgadores se posicionassem”, diz.
Segundo ela, o TST tem entendido que são válidas as demissões por exposição inadequada nas redes sociais e, inclusive, há precedentes que orientam para que o empregado observe a ética, disciplina e seriedade do uso das redes sociais no ambiente de trabalho.
Os casos mais comuns são os de demissão por justa causa em razão de exposição que atente contra a honra do empregador e violação de segredo sobre a empresa.
Stuchi explica que a jurisprudência é unânime no entendimento de que atitudes graves devem ser tratadas com justa causa, que ocorre quando um empregado não tem mais condições de permanecer na empresa por sua conduta. E o Poder Judiciário, ao julgar o pedido de reversão de justa causa, analisa se a pena foi aplicada de maneira correta e se houve antes aplicações de penas graduais como forma de orientação.
O que os juízes aceitam como prova? Print dos posts? Testemunhas? O Facebook pode ser acionado para apresentar os posts?
Ruslan Stuchi diz que são aceitas provas testemunhal e documental, que incluem os "prints" das telas e, caso necessário, ocorre a expedição de ofício para a rede social para confirmação dos fatos elencados.
Guimarães afirma que todo meio de prova é admitido, salvo quando se exige determinação judicial para que se encontre a prova.
Os atos praticados pelo empregado fora do horário e do local de trabalho podem levar à demissão?
Para o consultor jurídico da Fecomércio-CE, Eduardo Pragmácio Filho, os atos praticados pelo empregado fora do horário e do local de trabalho são privados e não se relacionam com o seu contrato, portanto, não podem levar a uma justa causa.
No entanto, segundo ele, em certas profissões e em algumas posições de destaque, quando a imagem do empregado se confunde com a da empresa, como é o caso de altos executivos ou atletas, os atos privados do empregado podem afetar a reputação da empresa e, assim, fundamentar uma justa causa.
Para ele, no caso dos brasileiros que postaram o vídeo constrangendo mulheres durante a Copa, embora reprovável, não se enquadra uma justa causa, pois não afeta a reputação das empresas onde trabalham.
Para Stuchi, em comportamentos que não ferem diretamente a imagem da empresa, mas geram repercussão negativa, ela tem a premissa de avaliar a gravidade da situação e sua ligação com a atividade profissional.
“Existem outras formas de penalidade, como advertência e suspensão, e a justa causa só é lançada caso o ato do empregado seja considerado altamente nocivo à empresa”, diz.
A empresa deve levar em conta o histórico de conduta do funcionário para demiti-lo?
Para Marcella, outras condutas podem ser levadas em consideração, mas não é obrigatório que a empresa as pondere para decidir sobre a dispensa do empregado. “Tudo vai depender da gravidade da situação, mas uma única infração pode ser o estopim de uma justa causa”, diz.
Santana diz que geralmente a empresa, diante de uma má postura do funcionário, o adverte para que mude o comportamento. Caso a situação não mude, então o demite.
G1