SÃO PAULO – Mais de 500 pesquisadores capitaneados pela dentista Renata Scheufen desenvolvem um estudo há uma década no Brasil para localizar pessoas com câncer de boca. Segundo o Instituto da Saúde e da Pesquisa Médica da França (Inserm), milhares de casos da doença poderiam ser evitados melhorando as condições de vida das camadas mais desfavorecidas da população e com exames preventivos e o Brasil poderia economizar milhões com política de prevenção eficiente.
A pesquisa iniciada na USP identificou que a doença está associada diretamente à falta de informação e afeta a vida física, psicológica e social do paciente. “O câncer deixa os pacientes com problemas relacionados ao sono, interfere na vida sexual e também pode provocar um descontrole nas atividades rotineiras e até financeiras”, explica Renata Scheufen.
Segundo ela, os principais fatores de risco são idade superior a 40 anos, vício de fumar cachimbos e cigarros, consumo de álcool, má higiene bucal, uso de próteses dentárias mal ajustadas e doenças da gengiva. O câncer bucal se manifesta principalmente pelo aparecimento de feridas na boca que não cicatrizam após alguns dias. O estágio avançado da doença provoca também dificuldades para falar, mastigar e engolir, além de emagrecimento acentuado.
A equipe de Renata alerta que é necessário ampliar o conhecimento da população acerca dos fatores de riscos, estimular o autoexame, capacitar os profissionais da odontologia para prevenção e diagnóstico precoce da doença e propor mudanças de planejamento e gestão para o atual modelo hospitalar vigente.
O exame preventivo pode beneficiar diretamente os cofres públicos uma vez que cada paciente custa em média R$ 11 mil para o SUS quando a doença já se encontra em estágio avançado. Um trabalho neste sentido, sugere o estudo, pode significar uma economia de 80% sobre os gastos atuais.
"A pesquisa demonstra que o perfil do paciente com câncer de boca pouco mudou, com a maioria dos casos (aproximadamente 60%) acontecendo com homens. O atraso no diagnóstico do câncer esteve mais associado ao sexo masculino, ao baixo nível de escolaridade e ao desconhecimento da gravidade da lesão", explica Renata Scheufen.
O estudo observou primeiro pacientes na periferia de São Paulo com diagnóstico de câncer de boca por meio de exame clínico e questionários abordando as condições educacionais, socioeconômicas e demográficas, consumo de cigarro e álcool, localização do tumor primário, percepção dos primeiros sinais e sintomas, conhecimento e experiência sobre câncer, uso de automedicação, medicina alternativa, tempo decorrido da percepção dos primeiros sinais e sintomas da doença até o tratamento e qualidade de vida.
Apesar de estar entre os dez tumores mais comuns do Brasil, o câncer de boca, bem como seus sintomas, causas e tratamentos, ainda é desconhecido de boa parte da população. O cenário é comprovado pelo fato de que uma parcela expressiva dos diagnósticos ainda é realizada tardiamente, o que diminui de maneira considerável as chances de cura.
De acordo com estimativas do Instituto Nacional do Câncer (Inca) aproximadamente 15 mil pessoas serão vítimas da doença anualmente no Brasil até o fim dessa década, sendo que deste total 11 mil serão homens. Tais números colocam o Brasil na ingrata terceira colocação entre os países com maior incidência do câncer de boca no mundo, atrás somente da Índia e da República Checa e com a pena de um brasileiro morrer a cada duas horas por causa da doença.