11/07/2018 às 17h07min - Atualizada em 11/07/2018 às 17h07min
Croácia quebra paradigmas, vai à final e manda a Inglaterra para casa
O futebol seguirá na Rússia, e o envolvente jogo inglês do primeiro tempo talvez seja redescoberto, escondido em algum canto do estádio Lujniki. Quem volta para casa é a Inglaterra.
Era uma semifinal disposta a quebrar paradigmas. A Inglaterra, que só tinha ido à decisão quando jogou uma Copa do Mundo em casa, deu a impressão no primeiro tempo de reservar seu lugar na final de domingo, contra a França, no mesmo estádio Lujniki onde enfrentou a Croácia nesta quarta-feira.
O belo gol de falta de Trippier foi só o início de uma etapa de puro domínio. Só que os croatas tinham Perisic, um atacante que encontrou tempo para disputar um torneio profissional de vôlei de praia em 2017, apenas um ano antes de voltar do intervalo e empatar uma semifinal de Copa do Mundo. Perisic, além de atleta poliesportivo, foi garçom na prorrogação para Mandzukic fazer 2 a 1 e levar a Croácia à uma inédita final de Copa. No fim das contas, o desfecho adequado para um jogo com cara de novidade.
Gareth Southgate, técnico da Inglaterra, esqueceu o tradicional 4-4-2 inglês e armou um esquema com três defensores nesta Copa, convertido numa linha de cinco quando a Inglaterra era atacada. O time se defendia bem e atacava melhor ainda. Goleiro e zagueiros saíam jogando com a bola no chão. A Croácia era envolvida com facilidade, e não por falta de perna: apesar de ter disputado duas prorrogações, corria quase o mesmo que uma Inglaterra mais descansada.
Além das inovações de Southgate, a Inglaterra tinha a seu favor um apoio majoritário na arquibancada do Lujniki. A torcida inglesa, que desabrochou em peso na capital da Rússia, entoava a plenos pulmões o hit “Football is coming home” (“O futebol está voltando para casa”), lançado na Eurocopa de 1996. Um clássico a serviço da seleção. Assim como a bola parada, usada por Trippier para abrir o placar aos cinco minutos, numa cobrança de falta que lembrou David Beckham. Foi o nono gol inglês nascido num lance de bola parada nesta Copa. Na média, mais de um por jogo.
Esperava-se uma Inglaterra ainda mais inflamada - e uma Croácia submissa - no segundo tempo. Esperava-se errado. Os croatas aproveitaram a falta de ímpeto dos ingleses, que se acomodaram em sua linha de cinco depois do intervalo, e passaram a explorar o inesperado. O zagueiro Vida, vaiado pela torcida russa a cada toque na bola - consequência de seus vídeos gritando “Glória à Ucrânia” -, começou a jogada sob apupos aos 13 minutos do segundo tempo. Vrsaljko levantou a bola na área. Perisic, escondido na segunda trave, viu que Trippier dava condição de jogo, correu até tomar a frente de Walker e completou para o gol dando quase um golpe de caratê.
Nas artes marciais, o atacante croata teria mais sucesso do que no vôlei de praia - foi derrotado na estreia do torneio disputado ano passado, contra a dupla brasileira Álvaro/Saymon. No futebol, então, nem se fala. Perisic aproveitou uma saída de jogo atrapalhada da zaga inglesa, que àquela altura não era nem sombra do sistema sólido do primeiro tempo, e acertou a trave. O atacante croata - que, em mais uma quebra de paradigma, joga com a camisa 4 - machucava a Inglaterra pelo flanco esquerdo.
Southgate tirou Sterling, seu camisa 10, e colocou Rashford, que passou a ajudar Trippier por aquele setor. Zlatko Dalic, o técnico croata, surpreendeu ao não tentar surpreender. Sua equipe, sempre com os mesmos titulares, vinha de 240 minutos em campo nas oitavas e quartas de final. Entrou na terceira prorrogação seguida sem que Dalic fizesse nenhuma substituição no tempo regulamentar. A primeira mexida só veio depois de 95 minutos de futebol contra os ingleses: Strinic, o lateral-esquerdo, deu lugar a Privaric.
Foi pelo lado esquerdo que a Croácia criou a melhor chance de gol da prorrogação, logo antes do término do primeiro tempo. Perisic, sempre ele, cruzou na medida para Mandzukic ultrapassar a zaga e ter sua finalização desviada pelo joelho de Pickford. Àquela altura, Harry Kane, o camisa 9 e artilheiro da Inglaterra, voltava para armar as jogadas. Stones, o zagueiro que é pupilo de Pep Guardiola, apelava para os chutões. Modric, camisa 10 e cérebro da Croácia, mal conseguia acertar passes simples, tamanho seu cansaço.
A prorrogação suspendeu de vez os paradigmas. Faltava cair apenas um - e não foi a tradição azarada de Mick Jagger, cantor dos Rolling Stones que ganhou fama de pé-frio em 2010 e estava torcendo para sua Inglaterra no estádio Lujniki. Caiu um paradigma mais recente: a mania croata de decidir tudo nos pênaltis. Foi assim contra Dinamarca e Rússia, jogos em que Modric & cia. tiveram a faca e o queijo nas mãos para resolver no tempo normal ou na prorrogação. Mandzukic tinha ensaiado no começo do tempo extra e colocou em prática logo no início da segunda etapa: ao receber novo passe de Perisic, agora com a cabeça, voou na frente do trio de zagueiros e tocou na saída de Pickford.
Não foi surpresa a falta de reação dos ingleses depois da virada, porque a verdade é que não reagiam desde que Perisic empatara o jogo. O futebol seguirá na Rússia, e o envolvente jogo inglês do primeiro tempo talvez seja redescoberto, escondido em algum canto do estádio Lujniki. Quem volta para casa é a Inglaterra.
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