O clássico Jaws (Tubarão, no Brasil) começa com uma sequência de ataques de tubarão branco em uma pequena cidade da região da Nova Inglaterra, nos EUA.
Após alguns incidentes, o chefe de polícia Martin Brody insiste em interditar as praias. No entanto, considerando o aumento no volume de turistas durante o verão, o prefeito Larry Vaughn contraria a recomendação, e não permite que as praias sejam fechadas. Isso, como você pode imaginar, se torna um prato cheio para as mandíbulas ferozes do tubarão gigante que passeia pela região.
A superprodução completa 50 anos em 2025 e, para comemorar a marca, o streaming Disney+ vai lançar o documentário Tubarão: Por Trás de um Clássico, nesta sexta-feira (11).
A obra foca nos bastidores do filme, partindo do processo de escrita do livro Tubarão, de Peter Benchley, que inspirou a produção do longa. Também ganham destaque as técnicas de filmagens usadas na época e a criação do tubarão mecânico de 7 metros feito exclusivamente para o longa.
Para saber mais sobre o processo de produção do documentário, a GALILEU entrevistou o diretor Laurent Bouzereau e Wendy Benchley, conservadora marinha e ex-esposa do autor Peter Benchley, que morreu em 2006.
De início, vale destacar que esta não é a primeira vez que Bouzereau vai às telas para homenagear Tubarão. Em 1995, ele lançou o documentário A criação de Tubarão de Steven Spielberg.
Porém, o diretor conseguiu trazer novas perspectivas por trás da produção do filme — principalmente sobre como isso afetou emocionalmente o cineasta Steven Spielberg. Tudo isso com histórias inéditas, que não apareceram no longa de 30 anos atrás.
'Tubarão' só vai fazer 50 anos uma vez. Só isso já torna esse documentário completamente único, completamente novo, porque essa perspectiva não vai acontecer de novo”, disse Bouzereau, com exclusividade à GALILEU.
“Quando você conta exatamente a mesma história de novo, você tem uma bagagem de vida e uma perspectiva muito maior. Então, você dá um tom diferente. E eu diria que é isso que torna esse documentário tão único.”
No novo documentário, Steven Spielberg aparece falando sobre alguns contratempos que envolveram a produção. A equipe estipulou que a programação de filmagem duraria cerca de 70 dias, mas esse prazo se estendeu para mais de 100 dias, devido aos problemas que o tubarão mecânico criado para o longa começou a apresentar. Isso fez o orçamento inicial crescer US$ 1,5 milhão, aumentando também a pressão pelo sucesso.
Com a extensão dos prazos estipulados para entregar o filme e com o aumento do investimento, um ator de Hollywood (não identificado) chegou a dizer para Spielberg: ‘Todo mundo está falando sobre nunca conseguir um emprego depois desse filme, porque você é irresponsável com o orçamento’.
“Preciso dizer que algumas coisas, pelo menos aos meus olhos, nunca tinham sido muito discutidas. Entre elas, a perspectiva humana do impacto que tudo isso teve sobre o criador, Steven Spielberg.” O diretor revela no novo longa que, mesmo após o filme ser um sucesso, o diretor seguia tendo pesadelos com a produção.
"Eu tinha pesadelos constantes sobre dirigir 'Tubarão' anos depois. Eu ainda estava no filme e o filme nunca terminava", conta Spielberg. O cineasta também relata que se escondia no barco usado no filme para chorar. "Eu não tinha nada para chorar sobre o filme, ele era um fenômeno, mas eu ficava sentado derramando lágrimas, porque não conseguia me livrar da experiência".
Fascinação por Steven Spielberg
Bouzereau, francês de nascimento, assistiu a Tubarão pela primeira vez em sua terra natal, onde o filme se chamava Os Dentes do Mar. “Eu fiquei completamente impressionado. E lembro de ter ficado obcecado com aquele nome: Steven Spielberg. E pensei: ‘Quem é esse? Quem é esse gênio?’ E ‘O que um diretor realmente faz?’”, revela.
“Então, eu realmente dei início ao meu objetivo de me mudar para os Estados Unidos. E de fazer parte da cultura cinematográfica americana, onde Tubarão foi feito”.
O impacto foi tanto que Bouzereau ainda costuma ser reconhecido por sua obsessão com Tubarão. “Pessoas com quem não falo há 50 anos já disseram: ‘Você é o cara que era maluco por Tubarão na escola?’ E eu digo: ‘Sim.’ Então, é muito estranho ter essa experiência e ser lembrado como o garoto louco que amava Tubarão. É muito bonito”, conta.
Bouzereau acompanhou o trabalho de Spielberg durante anos após o lançamento de Tubarão. Isso fez com que o documentarista incorporasse muito do trabalho de seu ídolo nas suas próprias produções. “O que mais me inspira nele [Spielberg] é a capacidade de contar histórias com as quais sempre é possível criar identificação, não importa o tema. Toda vez que faço um filme, quero que ele seja algo dessa forma. Não quero que seja [apreciado] ‘só por quem está por dentro’ da indústria do cinema”.
“Então, todas essas coisas eu aprendi com o Steven. E estou sempre aprendendo algo com ele. Só de conversar cinco minutos, penso: ‘Meu Deus, acabei de aprender algo novo.’ A generosidade dele é incrível”, acrescenta Bouzereau.
“Uma história que me marcou foi sobre um ator famoso, eu não sei o nome, que disse a Spielberg que a carreira dele tinha acabado. Foi algo bem cruel, mas também mostrou que Spielberg não se importou, porque sabia que nunca contrataria esse cara depois disso. Foi aquele tipo de situação: ‘mal podem esperar para te exaltar, e mal podem esperar para te derrubar’, que é muito comum na indústria. É uma loucura”, afirma.
Fã de carteirinha
Steven Spielberg e Tubarão não são a única fascinação de Bouzereau. Ele produziu muitos documentários sobre os acontecimentos por trás das produções de filmes que tinham como foco animais gigantes ou alienígenas. Além de Jurassic Park, Indiana Jones: Fazendo a Trilogia, Capturando Avatar e a Criação de E.T., o Extraterrestre, por exemplo, são algumas de suas produções-homenagem.
“Acho que sempre tive uma atração real pelo efeito catártico que os filmes causam em relação ao medo. E, às vezes, você assiste a esses filmes como algo que espera nunca ter que vivenciar na vida real. E isso era algo que me atraía. Nunca gostei — e ainda não gosto — de cenas de violência explícita no cinema, mas adoro suspense, adoro a arte de manipular a audiência. É como estar numa montanha-russa, mas muito sofisticada”, conta.
“Sempre fui fascinado pelo aspecto da produção. Carrie – A Estranha, do diretor Brian De Palma, foi outro filme que teve um impacto enorme em mim naquela época. Eu ficava pensando: ‘Como eles fizeram o sangue cair sobre ela?’ Eu sempre assistia com essa visão dos bastidores. Mas, ao mesmo tempo, eram filmes muito inteligentes. Então, sim, eu me sentia em casa com os monstros, mesmo que eles me assustassem”, revela Bouzereau.
Bouzereau ressalta que o documentário também é uma forma de dar visibilidade à questão da conservação marinha, e como as discussões sobre preservação desses ambientes avançaram nas últimas décadas.
“Ao destacar a reação negativa que o filme causou em relação aos tubarões e mostrar que, hoje, com educação e com os esforços enormes de pessoas como Wendy Benchley, o diálogo mudou completamente. Eu acho que foi interessante mostrar essa evolução. Esse é um filme que teve impacto em áreas que ninguém imaginaria que um filme teria”, afirma.
Preservação marinha
Wendy Benchley, esposa do autor do livro que inspirou Tubarão, foi mergulhadora durante décadas, e conseguiu observar de perto as principais mudanças no ecossistema marinho. “Peter e eu mergulhávamos, há 40 anos, entrávamos na água e víamos enormes cardumes de peixes e alguns tubarões. Lamento dizer, mas notamos mudanças no oceano”, conta Benchley.
“Os oceanos foram realmente muito depredados, especialmente em relação aos tubarões e a tantas outras espécies”, revela. “E foi por isso que começamos a trabalhar muito intensamente na conservação dos tubarões e dos oceanos”.
Benchley é uma voz ativa a favor da proteção dos tubarões, mas revelou com exclusividade que já passou por situações intensas com esses animais. “Teve uma vez em que Peter e eu estávamos com nosso filho nas Bahamas e havíamos atraído alguns tubarões com iscas. Eles estavam nadando em círculo e havia um filme sendo feito”, conta. “Sentimos que os tubarões estavam ficando um pouco agressivos demais. Então, Peter me deu um sinal e ambos tiramos os reguladores da boca para que as bolhas subissem — os tubarões evitam bolhas.”
“Colocamos o Clay [um de seus filhos], que devia ter uns 8 ou 10 anos, entre nós. Ele ainda estava aprendendo a mergulhar com cilindro. Colocamos ele entre nós e subimos por essa coluna de bolhas até a superfície, para garantir que não estávamos em uma situação perigosa com os tubarões”, contou, para a GALILEU.
Inicialmente, após o lançamento de Tubarão, certa parte da audiência usou o filme como uma desculpa para matar tubarões. Para Benchley, esse não foi o único legado imediato da obra. "Também houve muito interesse por tubarões. Peter recebeu milhares de cartas de pessoas de todo o mundo dizendo: ‘Sou fascinado por tubarões’ e ‘Quero aprender mais sobre eles’. Muitas pessoas queriam ser como o Matt Hooper, o cientista do filme”, afirma. Benchley cita o caso de um encontro com um tubarão branco encalhado em Nantucket, no estado americano de Massachussets. Em vez de as pessoas tentarem machucá-lo, elas se reuniram para empurrar o animal até o mar e salvá-lo.
“Acho que hoje realmente entendemos como os tubarões são importantes. E os grandes tubarões brancos são criaturas magníficas, lindas, que existem desde antes dos dinossauros. Eles são muito, muito especiais para o oceano”.
A dedicação pela preservação de animais marinhos é acompanhada por um fascínio. “Existem mais de 400 espécies de tubarões. Então, a fascinação está na variedade: tantas espécies diferentes, tantos tamanhos. Para mim, todas as criaturas do oceano são fascinantes, mas os tubarões são especialmente interessantes porque são os reguladores do oceano — eles equilibram as populações de outras espécies. Sem eles, outras espécies crescem demais”, afirma Benchley.
“Os aquários trazem as pessoas para perto, mostrando a beleza de tantas espécies de peixes e dos corais. Acho que eles ajudam muito a contar a história da importância das criaturas marinhas e do oceano para a saúde do nosso clima. Lembre-se: o oceano é o pulmão do clima. Ele absorve carbono. Precisamos do oceano para produzir oxigênio e para ajudar em tantas coisas — não só no combate às mudanças climáticas, mas também como fonte de alimento e de beleza. Ainda há muito trabalho a ser feito. Mas, desde o final dos anos 1990, acho que fizemos bons avanços em questões de conservação dos oceanos.”
Legado geracional
Por esses motivos, o legado de Tubarão se tornou um dos maiores feitos do cinema no século 20, e se tornou muito presente na cultura pop. A obra trouxe elementos visuais inéditos, inovou ao usar um animal mecânico para deixar as cenas realistas e também pela crítica social de como autoridades consideram o lucro algo mais importante do que a vida das pessoas.
Em uma das filmagens do documentário, Peter Benchley admite que uma das suas críticas favoritas em relação ao livro veio de Fidel Castro, ex-líder revolucionário cubano. Quando questionaram o ativista do porquê ele estaria lendo um dos thrillers comerciais americanos, Castro responde que, na verdade, o livro é uma metáfora maravilhosa sobre corrupção do capitalismo. O autor quis usar a crítica de Fidel no anúncio da obra, mas foi barrado.
Outro aspecto envolve o dinamismo da produção. Afinal, Spielberg e sua equipe conseguiram driblar os problemas apresentados pelo tubarão mecânico de forma extremamente criativa, usando planos fechados e cortes rápidos em um jogo de câmeras. No fim, mais do que para evitar que os defeitos da máquina aparecessem ao público, essas soluções de filmagem contribuíram para causar um suspense mais intenso ao telespectador, que não conseguia ver o tubarão o tempo todo na tela — e só no final do filme conseguia ter um vislumbre completo da criatura por trás dos ataques.
“Tubarão é algo geracional. É passado entre famílias. É realmente algo que os pais ou avós querem que os filhos ou netos vivenciem e compartilhem com eles o que aquilo significou”, conta Bouzereau. “Também acho que existem certas obras de arte, certas músicas, certas pinturas e certos filmes que acabam se tornando parte do tecido da cultura de forma inevitável, e sempre farão parte disso.”
Levar a história do filme para as novas gerações também se tornou uma motivação para produzir o documentário. Bouzereau queria motivar os jovens a não desistirem dos seus próprios sonhos devido às dificuldades — assim como Steven Spielberg não desistiu.
“Eu realmente queria contar uma história para os jovens que talvez estejam enfrentando dificuldades agora ou tentando realizar seus sonhos. E mostrar como, às vezes, os maiores obstáculos e desafios podem ser transformados em um enorme sucesso e em um caminho para uma carreira incrível”, revela.
“Então, é uma história de persistência e também uma história de valorização de uma obra de arte, que é Tubarão — o filme em si. E eu espero que os jovens que assistirem consigam se identificar imediatamente com esse tipo de história pessoal, sobre alguém com um sonho tentando fazer um filme, tentando fazer qualquer coisa, sabe?”
Para o documentarista, o legado do clássico Tubarão garante que o seu novo documentário não será a última produção em homenagem à obra. “Daqui a 50 anos, quando eu já tiver partido, haverá alguém neste lugar fazendo um filme sobre os 100 anos de Tubarão, tendo esse mesmo tipo de conversa”, afirma Bouzereau.
“As pessoas vinham até mim para agradecer por eu ter feito isso, por ter capturado o espírito da experiência. Fico muito orgulhoso disso, mesmo que, no fim das contas, elas estejam realmente agradecendo ao Steven, porque ele é o criador da obra-prima. Eu só estou ali para ajudar a preservar o legado”, finaliza.