04/03/2021 às 09h44min - Atualizada em 04/03/2021 às 09h44min

O que está por trás da alta das internações de jovens com covid

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R7
Foto: Reprodução
O momento atual da pandemia no Brasil está sendo marcado pelo aumento da frequência com que pessoas abaixo de 55 anos e sem comorbidades dão entrada nos pronto-socorros e nas unidades de terapia intensiva com quadros graves de covid-19.

Embora ainda não haja dados epidemiológicos que confirmem se isso é uma tendência ou apenas um recorte do momento, profissionais de saúde já observam a distinção deste cenário em relação ao que se constatou no pico de casos e mortes em 2020.

"O aspecto clínico dos pacientes é diferente daquele que víamos na primeiro onda. Antes eram idosos e portadores de doenças crônicas, o que chamamos de comorbidade. Hoje 60% são mais jovens, na faixa de 30 a 50 anos, sem doença prévia. E o tempo que estão ficando na UTI é maior. Tínhamos antes média de 7 a 10 dias de internação, agora está em 14 a 17 dias de internação no mínimo em UTI", afirmou o secretário estadual da Saúde de São Paulo, Jean Gorinchteyn, em entrevista coletiva no começo da semana.

Mas quais as explicações possíveis para esse aumento de pessoas jovens e sem doenças de base, como hipertensão e diabetes, internadas?

Mais circulação e aglomerações

Um fato é indiscutível. Desde o fim do ano passado, houve uma tendência à normalização da vida cotidiana, com mais pessoas nas ruas e aglomerações — muitas delas necessárias, como o transporte público usado por trabalhadores; mas outras ilegais, a exemplo de festas lotadas de participantes sem máscara.

"A epidemia mudou, com certeza, porque os jovens estão se expondo mais, e os idosos conseguem se prevenir mais. Não há dúvida que o número absoluto de jovens sem comorbidades e com formas graves está cada vez maior. [...] Talvez esteja aumentando só porque o número total de casos está aumentando. Antes, a gente conseguia fazer um isolamento social muito maior, e a doença pegava só os que tinham mais comorbidades", salienta o médico infectologista e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) em Botucatu Alexandre Naime Barbosa.

A retomada das atividades econômicas desde novembro e a dificuldade de governos em restringir a circulação de pessoas fizeram com que o país tivesse uma escalada de novos casos e mortes desde a primeira semana de 2021, chegando ao recorde diário de óbitos na terça-feira (3), com 1.641 registros.

Variante P.1

A identificação de uma variante de atenção (chamada P.1), no começo de janeiro, pode estar relacionada a esse aumento de casos, mas ainda não há estudos que mostrem nem mesmo a prevalência da nova cepa entre os casos confirmados de covid-19 no Brasil.

A Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) divulgou no último fim de semana que adultos infectados com a P.1 chegam a ter uma carga viral dez vezes maior do que aqueles que contraíram cepas mais antigas.

A médica Suzana Lobo, diretora-presidente da Amib (Associação Brasileira de Medicina Intensiva), relata que muitos jovens têm chegado aos hospitais com quadros graves de covid-19. Uma carga viral mais elevada seria uma das explicações para isso, segundo ela.

"O paciente que supostamente tem uma carga viral maior vai ter uma resposta inflamatória maior e a tendência é que essa resposta inflamatória tenha um impacto maior no pulmão, coração e outros órgãos", explica.

Barbosa, da Unesp Botucatu, complementa que, a despeito da "plausibilidade biológica", são necessários estudos comparativos para determinar o impacto da infecção pela cepa P.1 em relação às outras.

"Existe um raciocínio biológico correto em se imaginar que quem tem carga viral mais alta pode ter uma doença mais grave. Esse é um embasamento de que, talvez, a variante P.1 seja mais agressiva. Mas isso precisa de um estudo observacional como os britânicos fizeram, comparando 100 pacientes internados com a variante original versus 100 pacientes internados com a variante deles [B.1.1.7]. E aí viram que apesar de a variante britânica ser 70% mais infectante, não houve diferença em relação ao desfecho, não morreram mais pessoas", detalha.

O infectologista faz outro alerta: com uma carga viral elevada, as pessoas infectadas com a P.1 transmitem mais o vírus.

Quadros graves


No Hospital de Base de São José do Rio Preto (SP), onde trabalha, Suzana relata que, em janeiro e fevereiro, as faixas etárias abaixo de 65 anos representavam cerca de 65% das internações.

Muitos jovens dão entrada mais tarde, com um comprometimento mais severo dos pulmões, relata.

"O jovem tem uma reserva funcional, uma reserva cardíaca e pulmonar maior. Ele tolera muito mais. Uma pneumonia que vai levar rapidamente um idoso a ser atendido com falta de ar pode levar muitos dias até o jovem perceber. Ele pode ter uma hipóxia [baixa saturação de oxigênio] silenciosa e quando chega ao hospital já está com um acometimento pulmonar bastante grave, muitas vezes com poucos sintomas", diz.

A médica pontua ainda que o tempo de internação médio aumentou de 9 a 10 dias, no ano passado, para de 12 a 14 dias no início de 2021.

A gravidade da doença pode significar em alguns pacientes sequelas para o resto da vida, alertam os médicos.

"A gente vê frequentemente pacientes jovens com um longo tempo de internação, uma evolução bastante conturbada, um longo tempo no ventilador e depois ficam vários dias, até meses, em reabilitação, precisam de muita fisioterapia para reabilitação motora pós-alta da UTI, além das sequelas emocionais e psíquicas", enumera a diretora-presidente da Amib. 

Mesmo que pessoas mais novas tenham uma chance maior de sobrevida em caso de internação em terapia intensiva com covid-19, elas ainda correm risco de ter sintomas que persistem por meses. 

"A síndrome pós-covid, ou covid longa, é mais comum em quem passa pela UTI com quadros críticos, independentemente da idade. [Pode haver] sequelas neurológicas muito importantes, paralisias, tetraplegias, pessoas que ficam em estado vegetativo", observa Barbosa.

Cuidados devem ser os mesmos


Independentemente da idade, as formas de evitar a covid-19 são as mesmas para todos: o uso correto de máscaras, o distanciamento físico, evitar aglomerações e higienização das mãos.

Há um ano se faz isso para evitar que a doença mate ainda mais pessoas. E agora, neste momento de crise, não se deve deixar esses hábitos de lado, afirma Suzana.

"A fadiga não pode vencer o medo, de maneira nenhuma. Cada indivíduo pode até não ficar doente, mas vai estar disseminando o vírus na sociedade. Quanto mais esse vírus circula, mais variantes vão aparecer, que podem até escapar da vacina. Sair dessa pandemia depende do comportamento da sociedade", encerra a intensivista.

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