Uma publicação desesperada tirou da rotina um grupo de moradores do Guará criado para facilitar a prestação de serviços e o comércio na região. O tom era de desabafo: “Não é a primeira vez que acontece comigo ou com outra mulher!”, denunciou uma diarista, moradora de Ceilândia, de 20 anos de idade. Ela pedia, “pelo amor de Deus”, que os homens parassem de aliciar quem queria apenas um trabalho.
Procurada pelo Metrópoles, a autora da publicação contou a sensação de impotência. Poucas horas depois, os moderadores do grupo apagaram sua queixa contra os assediadores. Apesar de ter autorizado o uso do nome, ela terá a identidade resguardada nesta reportagem, por motivo de segurança.
A última vez que procurou emprego, há cerca de um mês, a diarista acabou presa dentro de um carro com um homem desconhecido. Ele a tinha contratado para fazer uma faxina, mas não forneceu endereço. Acertou que a buscaria na Estação Feira do metrô, às 8h. “Ele me buscou só às 9h50 e começou a rodar sem nunca chegar a lugar nenhum. Depois ficou falando que íamos para uma chácara”, contou a moça.
Segundo afirma a diarista, o homem fez comentários como “Tira a máscara pra eu ver sua boquinha” e, quando passaram em frente a uma hotel, ficou insinuando que o local era confortável. “Ele estava sugerindo que ficássemos lá”, sintetizou a trabalhadora.
À certa altura, quando o homem parou para abastecer, ela decidiu aproveitar a oportunidade e fugir. “Fingi que ia ao banheiro para depois sair sem ele ver, mas na saída do banheiro o carro estava em frente a porta”, contou.
“Ele me chamou para almoçar e ficava parando nos cantos com o carro trancado. A gente passou pelo Guará todinho, Núcleo Bandeirante e Candangolândia”, afirmou a mulher, que só conseguiu escapar em outra parada. Ela abriu a porta e deixou o carro às pressas.
Vergonha
Mas a privação de liberdade não foi o maior dos assédios sofridos pela moça. Em outra ocasião, quando trabalhava na casa de um policial, o homem aproveitou quando ela organizava a louça para obter contato físico. “Ele me imprensou com o pênis já duro, eu senti um desconforto, um medo, fui indo para frente para escapar, mas ele foi seguindo”, narrou.
A moça afirma que só comentou sobre o assédio com a sogra, por vergonha. Devido aos constantes casos de assédio, a trabalhadora deixou de ser diarista e, agora, está desempregada.
Esses dois não foram os únicos casos de abuso que ela vivenciou calada. Por mensagens, a jovem recebe uma enxurrada de propostas toda vez que procura ocupação. Veja os prints:
A quem recorrer
O advogado trabalhista Maximiliano Garcez afirma que a impunidade dos empregadores é muito alta no Brasil, especialmente quando a ação é de uma mulher contra um homem. “Essa sensação de impunidade acaba estimulando o comportamento grotesco por parte de homens enquanto empregadores”.
Ainda segundo o especialista, existe ainda uma correlação do trabalho doméstico com a escravidão no Brasil, o que coloca essas trabalhadoras numa posição de ainda mais precariedade.
A diarista que narrou os fatos nesta reportagem tentou procurar a Justiça, mas se frustrou com a orientação do próprio advogado. “Ele disse que a partir do momento que aceitei entrar no carro, não via nada fora do normal com o que aquele homem fez, isso desmotiva a gente, eu não vi nada de normal, só queria ser respeitada”, suplicou a mulher.
A defensora pública e integrante do Projeto As Defensoras afirma que os dois casos de assédio poderiam ser enquadrados na conduta de assédio sexual, prevista no artigo 216 A do Código Penal, apesar de ser difícil encaixar nesse caso o pré-requisito de subordinação hierárquica previsto no artigo, pois ela é uma diarista, sem contrato formal.
“A outra possibilidade seria o crime de constrangimento ilegal, no artigo 146, que prevê crime de violência ou grave ameaça diminuindo a capacidade de resistência, que foi o caso em que ela foi presa no carro”, informou a defensora. E continua: “Ela poderia procurar o Ministério Público, já que ela não quer buscar a polícia, não haveria necessidade de falar com nenhum policial”, apontou.
No caso do policial assediador, a vítima ficou temerosa a procurar a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), por medo de o corporativismo sobrepor a denúncia. Nesse caso, segundo moça, nada seria resolvido e ela ainda seria exposta.
Procurada pelo Metrópoles, a PCDF se pronunciou e explicou que a Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) é subordinada ao Departamento de Polícia Especializada (DPE). Essas unidades oferecem um atendimento diferenciado, no caso para as mulheres em situação de vulnerabilidade e violência. “A Delegacia Especial de Atendimento à Mulher previne, reprime e investiga os crimes praticados contra a mulher por qualquer tipo de agressor”, disse, por meio de nota.
Segundo a corporação, “a vítima pode procurar a delegacia ou realizar uma denúncia anônima. As denúncias anônimas podem ser feitas pelo telefone 197; e na opção 3, devido à pandemia da Covid-19, é possível o registro da ocorrência policial também. Outro canal disponibilizado é a Delegacia Eletrônica, no endereço”.