03/08/2018 às 08h43min - Atualizada em 03/08/2018 às 08h43min
'Passei 20 anos lançando CDs ruins', diz Odair José sobre anos 80 e 90
Cantor, que está em turnê com o disco "Gatos e Ratos", se prepara para lançar novo álbum e show no teatro J. Safra, em São Paulo
Reprodução Instagram Odair José tem a consciência sobre o quanto poderia ter sido maior e mais imporatnte na música popular brasileira. Sabotagem da indústria, discos experimentais, letras com temas proibidos pela censura e um período de 20 anos em que ele mesmo reconhece que se autossabotou com um monte de discos descartáveis fizeram com que o outrora ídolo da juventude fosse relegado a um papel secundário e quase folclórico na cultura nacional.
Mas na última década, a influência e a obra de Odair ganhou uma merecida revisão. E o então cantor "maldito" da MPB foi elevado ao status de figura cult, conquistando espaço em circuito de shows e festivais indie, casas como Sesc e teatros como o J. Safra, em São Paulo, onde ele se apresenta no dia 17 de agosto, às 21h30.
Essa redescoberta garantiu a Odair a conquista de um público jovem. Apesar de interessado em ouvir os hits Eu Vou Tirar Você Desse Lugar e Pare de Tomar a Pílula, essa nova plateia estava na intenção de consumir material novo, que flerta com o rock e as pouco exploradas músicas de O Filho de José e Maria, o controverso álbum conceitual de 1977 que marca o início da crise de imagem de Odair no mercado fonográfico.
Após a gravação do disco, altamente rejeitado pela cúpula da gravadora Polygram, Odair nunca mais repetiu o sucesso da primeira metade dos anos 70 e ainda garante que sofreu boicote por ousar demais. Mas ele não se arrepende dos riscos que impôs à própria trajetória e deixa claro, em entrevista exclusiva ao R7, que prefere chegar aos 70 anos com a dignidade de ter feito quase tudo que quis do que ter se transformado em uma voz sem identidade apenas para propagar sucessos e manter o status do passado.
R7 — Desde que foi redescoberto, você tem investido em rock e letras mais politizadas ainda. Como foi enveredar por esse lado?
Odair José — Eu sempre tentei colocar o rock na minha música de alguma forma. O Brasil inteiro se acostumou a me ver com guitarra em punho. Mas eu não acho que o que faço em Gatos e Ratos, de 2016, seja necessariamente rock. É uma versão mais garageira do Odair. Sobre as letras, eu gosto de falar de temas que incomodam, que são relevantes. Em um momento tão complicado do mundo, não tem como ignorar certos assuntos.
R7 — Você já foi ídolo popular, mas em algum momento se sentiu confortável com esse status?
Odair — Sempre disse que quem repete fórmula para manter o sucesso não faz arte, faz apenas negócios. O meu prazer está no risco. Não crítico quem faz o contrário. Só que, pro meu objetivo de carreira, esse é o certo. Se fizesse diferente, sentiria que estou desrespeitando o público.
R7 — E você acredita que o papel do artista é também ser formador de opinião?
Odair — Mais do que a imprensa, em muitos casos. O que falamos é ouvido pelo fã. Ele leva mesmo em consideração. Quando eu resolvi falar sobre empregada doméstica, deixei claro que uma classe profissional inteira era explorada e invisível. Servia para tudo, menos para ser respeitada. E levou muito tempo para isso reverberar. Só recentemente tivemos uma lei que garantia direitos às empregadas domésticas. Eu sou famoso porque abordei o inesperado. De pílula anticoncepcional à prostituição, falei sobre tudo que quis, escrevendo como se fosse uma reportagem. Escrevo sobre a rua, sobre as pessoas, sobre os vários Brasis.
R7 — E mesmo assim, por anos você foi chamado de brega. Como encara isso?
Odair — Fui vendido assim, mas é incondizente com a obra. É que, antes, qualquer pessoa que fazia sucesso era uma espécie de sub Roberto Carlos para a indústria. Até hoje é um pouco assim. Mas nunca foi meu foco produtivo. Tanto que há uns anos queriam me levar pro circuito sertanejo, mas me recusei. Não quero dialogar com isso, não. Prefiro ficar no circuito alternativo.
R7 — Neste ano, um novo disco será lançado. Dá para adiantar detalhes dele?
Odair — Até outubro, esse CD de inéditas será lançado. Estamos gravando as faixas no estúdio naquele esquema ao vivo com a banda, sem truques, para soar parecido nos shows. Hibernam Na Casa das Moças terá 11 faixas e um conceito anárquico-temático. As letras vão falar sobre o Brasil injusto da atualidade.