24/08/2024 às 11h50min - Atualizada em 24/08/2024 às 11h50min
Brasil não assina documento que rechaça reeleição de Maduro
Presidente Lula tem estreito relacionamento com o ditador da Venezuela
Pleno
Foto: Reprodução O governo brasileiro decidiu não assinar um comunicado conjunto dos Estados Unidos e mais dez países latino-americanos que “rechaçaram categoricamente” o reconhecimento da reeleição do ditador Nicolás Maduro na Venezuela.
Em paralelo, a União Europeia também afirmou que não vai aceitar a certificação encomendada por Maduro e emitida nesta quinta-feira (22) pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) – a corte é a instância judicial máxima do país e jamais contraria o regime chavista.
Os governos de Argentina, Costa Rica, Chile, Equador, Estados Unidos, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai “rechaçaram categoricamente o anúncio do TSJ”. Esses mesmos países já haviam declarado que não reconheceriam a vitória de Maduro proclamada anteriormente pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) venezuelano, sem base em dados transparentes. Segundo o grupo, tanto a corte suprema quanto órgão eleitoral na Venezuela carecem de “imparcialidade e independência”.
– Somente uma auditoria imparcial e independente sobre os votos, que avalie todas as atas, permitirá garantir o respeito à vontade popular soberana e a democracia na Venezuela – afirmaram os países no comunicado conjunto, emitido na noite desta quinta, após a decisão do TSJ ser anunciada.
Em outra frente, Josep Borrell, alto representante da União Europeia para Assuntos Estrangeiros de Política de Segurança, disse nesta sexta-feira (23) que o bloco não aceitará a certificação da corte chavista, sem que o tribunal emita qualquer documento comprobatório.
– Estamos dizendo que este resultado eleitoral deve ser comprovado. Até o momento, não vimos nenhuma prova. Enquanto não virmos um resultado verificável, não vamos reconhecê-lo – disse Borrell, que exerce função similar a de um chanceler dos 27 países do bloco.
O TSJ validou a reeleição de Maduro na disputa presidencial realizada em 28 de de julho, em decisão que não surpreendeu o governo brasileiro. A corte, porém, não tornou públicos documentos que embasaram seu pronunciamento e decidiu colocá-los sob custódia judicial. O tribunal afirma ter conduzido uma perícia no material entregue pelo CNE e que sua decisão encerra o caso.
A presidente do TSJ, Caryslia Rodriguez, disse que os peritos “certificam inquestionavelmente o material da perícia e validaram os resultados emitidos pelo CNE onde Nicolás Maduro foi eleito”.
– Com base nos resultados da perícia, concluímos que os boletins do CNE estão respaldados pelas atas emitidas pelas máquinas de votação e mantêm plena coincidência com o registros das bases de dados – afirmou a magistrada.
Apesar do posicionamento dos demais países, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda não se pronunciou sobre a decisão do Tribunal Supremo de Justiça e telefonará ao presidente da Colômbia, Gustavo Petro, para coordenar uma posição comum.
Lula já indicou que não está disposto a reconhecer a reeleição do ditador e aliado Nicolás Maduro, mesmo depois do endosso emitido por um tribunal controlado pelo regime. A tendência é que também divulguem uma nota conjunta, com teor que não altera posições anteriores.
A decisão do TSJ também tornou mais difícil que Lula atenda a um pedido de telefonema de Maduro, feito há mais de 20 dias. O petista sugeriu que Petro participasse. Desde então, ambos têm manifestado publicamente em entrevistas visões conflitantes.
Maduro já rechaçou as ideias propostas por Lula e Petro, entre elas a realização um novas eleições com garantias especiais aos dois lados. O ditador acusou Lula e Petro de promoverem uma “diplomacia de microfone”, sugeriu que os aliados se intrometiam em assuntos domésticos do país e exigiu que o pronunciamento da Corte Suprema fosse respeitado.
A realização da chamada telefônica foi discutida nas últimas horas. Desde a manifestação oficial do TSJ, auxiliares de Lula entraram em cena para discutir que caminho tomar, diante da decisão de Maduro de tentar encerrar a disputa pela via judicial.
Integrantes do governo a par da articulação dizem que o Brasil não vai ceder. Na semana passada, o governo brasileiro – por meio de Lula e do assessor especial Celso Amorim – anunciaram pela primeira vez que não reconheceriam um presidente eleito na Venezuela, enquanto as atas eleitorais que atestassem a votação não fossem publicadas, a fim de permitir uma verificação imparcial.
Um dos interlocutores de Amorim, o líder chavista Jorge Rodríguez, presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, provocou o ex-chanceler exigindo que a Justiça do país seja respeitada no mundo todo. Em declaração, ele comparou o processo eleitoral venezuelano ao brasileiro e disse:
– Ouviu, senhor Celso Amorim?
Desde a votação em 28 de julho, um impasse político tomou conta da Venezuela e mobilizou a comunidade internacional. O regime e a oposição, na figura do candidato Edmundo González, reclamam ter vencido a disputa pelo Palácio Miraflores, que poderia por fim ao regime chavista após 25 anos.
O Conselho Nacional Eleitoral (CNE), órgão que promove as eleições e também é chefiado por aliados de Maduro, proclamou Maduro vitorioso com 52% dos votos contra 43% de González. O conselho afirmou ter sofrido um ataque hacker e, mudando o costume, não divulgou qualquer ata das mesas de votação que comprove sua contagem.
A oposição, por sua vez, coletou e divulgou online cópias de atas que mostram uma vitória de González por 67% dos votos contra 30% de Maduro. Os documentos publicados correspondem a cerca de 25 mil atas de votação – 82% do total. Instituições independentes verifficaram essa documentação e a reputaram como confiável.
Os Estados Unidos, a União Europeia e países latino-americanos declararam reconhecer que González conseguiu demonstrar sua vitória. Outros países como China e Rússia reconheceram Maduro.
Desde o pronunciamento do TSJ, as tratativas diplomáticas incluíram telefonemas de alto nível político, entre o chanceler Mauro Vieira e seus homólogos da Colômbia e outros países da região. Parte deles já se manifestou em viés crítico.
Embaixadores envolvidos nas conversas entendem que o cenário está mais complicado e que deve aumentar agora a pressão sobre Maduro, depois que ele fechou ainda mais as portas a qualquer tentativa de mediação. O risco de recrudescimento do regime também preocupa.
Houve ao menos 23 mortes e entre 1,5 mil e 2,4 mil encarceramentos – sendo centenas de crianças e adolescentes. Entidades de direitos humanos e o regime chavista diferem na contagem, sendo que as forças oficialistas divulgam os números mais dramáticos, algo interpretado como uma estratégia de causar temor. Lideranças da oposição, como González e María Corina Machado, também estão na mira e disseram atuar agora escondidos na clandestinidade.
*AE