29/12/2021 às 18h00min - Atualizada em 29/12/2021 às 18h00min

'Suba, pelo amor de Deus', grita piloto durante grave incidente ao decolar

Portal do Sena

R7
Boeing 777 da Emirates, semelhante ao da ocorrência WIKIMEDIA COMMONS
"Suba, suba, pelo amor de Deus, suba!"

Esse foi o grito desesperado de um dos dois tripulantes extras que estavam sentados atrás das poltronas dos pilotos – na cabine de um enorme jato intecontinental – ao testemunhar um incidente considerado gravíssimo. 

Dados incorretos sobre a altitude do aeroporto inseridos em um dos sistemas do avião fizeram com que o jato demorasse a decolar, fazendo com que toda a extensão da pista - inclusive a área de segurança - fosse utilizada. Por muito pouco a enorme aeronave não foi de encontro a uma área residencial. 

E o que mais impressionou aviadores ouvidos pelo Blog foi justamente a origem do problema: o não cumprimento de um procedimento tão simples quanto obrigatório antes da decolagem, como veremos a seguir. 

Programado para decolar às 2h25 de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, o voo EK-231 da Emirates para Washington, nos Estados Unidos, partiria com 45 minutos de atraso no último dia 20 de dezembro.

O aparelho destacado para cumprir o voo foi o moderno Boeing 777-300ER, de registro A6-EQI,  um avião com apenas quatro anos de uso. 

Segundo o plano de voo, assim que deixasse a pista 30R, a aeronave faria uma curva à noroeste para cruzar o Golfo Pérsico sobrevoando ainda a Arábia Saudita, o mar Mediterrâneo e a Europa, até a travessia do Atlântico Norte. 

Eram 3h10 quando o Boeing 777-300 alinhou na pista e acelerou os dois motores para decolar rumo ao aeroporto de Dulles, em Washington.

Como em todo voo internacional de longa distância, dois pilotos operavam a aeronave, enquanto outros dois tripulantes extras acompanhavam a decolagem também dentro do cockpit.

Por meio de uma série de informações inseridas no sistema que gerencia a aeronave, como peso e extensão da pista, o computador de bordo calcula a distância que o avião percorrerá e a velocidade em que a aeronave levantará a roda dianteira e começará a deixar a pista e ganhar altitude. Esse movimento é chamado de "rotate" (rotação).

Foi a partir desse instante que o grave incidente se registrou.

Em vez de ganhar velocidade e altitude ideais para uma decolagem-padrão, o enorme Boeing 777-300 ultrapassou a velocidade de rotação sem que a inclinação tivesse início. Isso fez com que o avião ultrapassasse os limites usuais da pista. A decolagem, de fato, só ocorreu depois da passagem pela cabeceira oposta, ao final da área de segurança, isto é, no limite do limite.


A aeronave passou sobre uma área residencial a apenas 23 m (75 pés) de altura das casas de um bairro localizado após a pista, a uma velocidade de 430 km/h (234 nós). 

O Triplo 7 sofreu alguns danos na decolagem, de acordo com o AvHerald. O informe não traz detalhes, mas há relatos de um choque da parte inferior da cauda no asfalto, em uma ocorrência chamada de tail strike. A parte da fuselagem que teve contato com a pista é conhecida como tail skid.

Em formato de uma barbatana de tubarão, mas na parte de baixo do avião, o tail skid minimiza possíveis danos causados pelo impacto, como o verificado em Dubai.

Um fonte do blog que teve acesso às informações internas na Emirates relatou o momento de tensão no cockpit do Triplo 7:

"Passaram a 170  pés em [na região de] Deira com os dois motores a full power [com potência total], foram a 260 nós [481 km/h] com flap 15", disse.

Deira é uma região de residências e centros comerciais de Dubai.

Outra fonte ouvida pelo blog explicou:

"Essa aeronave extrapolou em muito a velocidade máxima para aquela configuração de flap, o que pode causar dano estrutural ou até mesmo a perda de partes.

Foi logo em seguida à rotação lenta e tardia que o piloto extra dentro do cockpit apelou na cabine:

"Suba, suba, pelo amor de Deus, suba!".

Um potencial acidente grave foi evitado, e a aeronave seguiu para Washington, onde pousou normalmente.

A decisão da tripulação de ter continuado o voo para a capital americana, em vez de retornar à Dubai, também pode ter sido uma agravante na ocorrência.

A origem do problema começou quando a tripulação anterior mexeu nos dados do painel de controle mestre, aparentemente sem necessidade, e a tripulação do voo para Washington não checou os dados, como deveria.

Em comunicado feito na segunda-feira (27), a Emirates emitiu um alerta sobre o fato de a tripulação anterior ter configurado a elevação do aeroporto em 00000 pés no painel de controle mestre sem que os pilotos do voo entre Dubai e Washington percebessem, quando a situação exigia uma indicação de 4.000 no diretor de voo (flight director).

O flight direct são duas barras localizadas no horizonte artificial do avião – uma horizontal e a outra vertical. Ao decolar, a aeronave segue o diretor de voo, um auxílio de orientação sobreposto ao indicador que mostra ao piloto a ação necessária para seguir determinada trajetória. A barra horizontal tem como base as altitudes inseridas. No caso, havia uma restrição de 4.000. Ao se aproximar desse nível, seria diminuída a razão e o avião nivelaria de forma suave.

Não havia indicação do momento da rotação durante a decolagem. A padronização de decolagem da aeronave depende da informação da altitude do campo. Como estava zerada, o jato não emitiu os alertas necessários.

A ocorrência sugere que o procedimento de verificação pré-voo não foi cumprido como deveria. Do contrário, o incidente grave não teria acontecido. Os pilotos aguardavam determinada atuação da aeronave que jamais se confirmaria, uma vez que o jato tinha dados incorretos para levantar voo.

O Boeing 777-300ER passou por uma inspeção em Washington e permaneceu quatro dias em solo após o voo de retorno a Dubai.

Quatro tripulantes que tiveram participação no evento foram demitidos pela Emirates ainda em Washington. O blog teve acesso aos nomes envolvidos, mas não os publicará para não expô-los, uma vez que não teve acesso às suas versões para o evento. 

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